As inconstitucionalidades da Lei dos Motoristas


O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais os dispositivos da Lei n.º 13.103/2015 – Lei dos Caminhoneiros – que desrespeitam direitos sociais e as normas de proteção ao trabalhador insculpidas no artigo 7º da Constituição Federal.

 

Esses direitos preveem:

(a) a redução e/ou o fracionamento dos intervalos intrajornadas e do descanso semanal remunerado;

 

(b) a hipótese de descanso de motorista com o veículo em movimento;

 

(c) exclusão do cômputo da jornada diária de trabalho do motorista profissional o tempo decorrido durante a carga ou a descarga do veículo, ou, ainda, a fiscalização da mercadoria.

 

Descanso Intrajornada

Conforme dispunha a lei, o motorista poderia fracionar o descanso intrajornada, desde que cumprisse 8 (oito) horas ininterruptas de descanso, conforme determina o artigo 235-C, § 3º, da Lei n.º 13.103/15:.

 

Art. 235-C

[...]

§ 3o Dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, são asseguradas 11 (onze) horas de descanso, sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, garantidos o mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 (dezesseis) horas seguintes ao fim do primeiro período. (Grifo nosso)

 

 

Assim, descansando as oito horas, o motorista poderia se programar, por exemplo, para um descanso após as refeições ou outro período que entendesse mais conveniente. Porém, o STF declarou inconstitucional esta disposição de lei.

 

Segundo a Corte Suprema, o gozo do período restante de descanso interjornada, durante os intervalos da jornada diária de labor ou no interior do veículo, além de impedir a completa recuperação física e mental do motorista — o que reflete diretamente na segurança das rodovias —, desnatura a própria finalidade do descanso entre jornadas, direito social indisponível.

 

Com base nisso, ficou proibido o fracionamento do intervalo entre duas jornadas, devendo as 11 (onze) horas serem gozadas de forma ininterrupta.

 

Ressalta-se que esta decisão afeta, igualmente, os Transportadores Autônomos de Carga, pois esta decisão da inconstitucionalidade também se aplica ao Código Brasileiro de Trânsito.

 

Assim, caminhões devem permanecer parados por pelo menos 11 horas consecutivas.

 

 

Descanso semanal remunerado acumulado

O repouso semanal remunerado do motorista está previsto no artigo 235-D, §§ 1º e 2º da Lei dos Caminhoneiros, que assim dispõe:

 

Art. 235-D. Nas viagens de longa distância com duração superior a 7 (sete) dias, o repouso semanal será de 24 (vinte e quatro) horas por semana ou fração trabalhada, sem prejuízo do intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas, totalizando 35 (trinta e cinco) horas, usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso

 

§ 1o É permitido o fracionamento do repouso semanal em 2 (dois) períodos, sendo um destes de, no mínimo, 30 (trinta) horas ininterruptas, a serem cumpridos na mesma semana e em continuidade a um período de repouso diário, que deverão ser usufruídos no retorno da viagem. (Grifo nosso)

 

§ 2o A cumulatividade de descansos semanais em viagens de longa distância de que trata o caput fica limitada ao número de 3 (três) descansos consecutivos. (Grifo nosso)

 

Como visto, antes da decisão da Suprema Corte, o motorista poderia gozar o descanso semanal somente quando retornava para sua casa, nas viagens de longa distância. Assim, poderia usufruir até três períodos de descanso semanal remunerado acumulado.

 

Tal situação foi considerada inconstitucional pelo STF, deste modo, para que o descanso seja válido, ou a empresa viabiliza o retorno do motorista, para gozar o descanso com sua família (o que é inviável em viagens de lona distância) ou oferece condições para que ele usufrua do descanso durante a viagem, após 6 dias consecutivos de trabalho.

 

Não sendo possível o retorno do motorista a sua residência para usufruir do descanso, a empresa deverá oferecer um lugar seguro para deixar o caminhão, bem como para usufruir de lazer e descanso, por 35 horas consecutivas.

 

Não há óbice para o motorista pernoitar no caminhão, porém deverá ser assegurado o direito deste se ausentar do veículo durante o dia de lazer.

 

 

Descanso do Motorista com o veículo em movimento

Em relação ao descanso do motorista com o veículo em movimento, viagens com dois motoristas, a Lei n.º 13.103/15, no art. 235-D, § 5º, determina que:

 

 

Art. 235-D

 

[...]

§ 5o Nos casos em que o empregador adotar 2 (dois) motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento, assegurado o repouso mínimo de 6 (seis) horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado, a cada 72 (setenta e duas) horas. (Grifo nosso)

 

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a previsão de descanso com o veículo em movimento, quando dois motoristas trabalharem em revezamento, desrespeita o que previsto constitucionalmente quanto à segurança e saúde do trabalhador. Não há que se cogitar que o devido descanso ocorra em um veículo em movimento, o qual, muitas das vezes, sequer possui acomodação adequada para o corpo repousar após a jornada diária ou semanal de trabalho.

 

Deste modo, o descanso do motorista só pode ocorrer com o veículo parado. Ou seja, se o veículo estiver trafegando com dois motoristas, ambos estão computando jornada de trabalho, ainda que um deles possa estar dormindo no banco do carona ou mesmo na cama leito, ou em banco leito, no caso dos ônibus.

 

Ressalta-se que, neste ponto, a decisão causa impactos tanto nas empresas de transporte de carga como nas de passageiros.

 

 

Tempo de Espera

O tempo de espera está definido no artigo 235-C, §§ 8º e 9º da Lei dos Caminhoneiros:

 

§ 8º. São considerados tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias.

§ 9º.As horas relativas ao tempo de espera serão indenizadas na proporção de 30% (trinta por cento) do salário-hora normal.

 

O tempo decorrido durante a carga ou a descarga do veículo, ou, ainda, a fiscalização da mercadoria que autorizava o pagamento como verba indenizatória à base de 30% do valor da hora normal, foi considerado inconstitucional pela Corte Suprema.

 

Segundo o Pretório Excelso, o chamado “tempo de espera” não pode ser excluído da jornada normal de trabalho nem da jornada extraordinária, sob pena de causar efetivo prejuízo ao trabalhador, além de desvirtuar a própria relação jurídica trabalhista existente.

 

Assim, o referido tempo deve ser considerando na jornada de trabalho, como tempo à disposição do empregador, para todos os fins.

 

 

Conclusão

A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e a Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Paraná (FETRANSPAR) afirmam que a declaração de inconstitucionalidade da lei promoverá um desequilíbrio em todo o segmento do transporte rodoviário de cargas com impactos financeiros, operacionais, tributários e no valor do frete.

 

Estima-se um impacto financeiro acima de 30% (trinta por cento) nos custos das empresas, especialmente com folha de pagamento, jornada de trabalho, número de trabalhadores, equipamentos e insumos. As operações de transporte, logística e armazenamento serão drasticamente afetadas, especialmente nos transportes realizados de longa distância, nos tempos de carregamento/descarregamento, com redução da produtividade em no mínimo 25%.

 

Por fim, a decisão do STF trará impactos negativos no mercado, uma vez que o transportador não tem condição de assumir toda a responsabilidade pela inconstitucionalidade de dispositivos da lei do motorista.

 

Assim, nos resta tão somente aguardar o que está por vir, afinal, eles decidem, mas a conta quem paga somos nós!


Por

Mauricio Busato Nervo

OAB/PR 68.038



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